terça-feira, 25 de maio de 2010

Meteoro cosmopolita.

Vinte e três, era o dia.
Vinte e três de São Jorge, mas no caso, era o vinte e três de São João.

Porque chegar assim, e iluminar tudo, tudo ao redor?
Ela tem uma chama, sabe? Uma chama inevitável, não há como fugir.
A qualquer lugar que adentre, pronto, ta lá ela e essa luz toda que não tem como não se sentir seduzido. Mas eu digo seduzido assim, em vários aspectos.
O problema é que ela sabia disso, sabia disso tudo. Mas o pior mesmo é que ela não dava a menor importância. Era extremamente bonita na sua discrição, era uma verdadeira discrepância o tanto que expandia sua luz, na proporção de que andava discretamente entre os mortais, sabe? Porque a mulher que é assim, sinceramente, a mulher que sabe o quanto brilha, se apaga lentamente na convicção. Mas ela não.
Ou não sabia, ou disfarçava muito bem.

Entrou na minha pequena casa, que ficou menor ainda pro tamanho dela. A casa toda tomou uma cor alaranjada, que eu até esqueci que chovia lá fora. E olhe que chovia forte, o céu era cinza. E eu nem lembrei que fazia frio quando ela me abraçou. Sua matéria parecia mais caída do céu, cuspida de um meteoro, quente, colorida, sólida. Eu só pude me apaixonar. Era linda também nos traços, boca, nariz, olhos. Não tinha verdadeiramente nada demais, nenhum atributo exageradamente bonito, mas poucos homens eram capazes de não olhá-la até constrangê-la.

Clara era nossa companhia, tocando baixinho no rádio. Bonitinha a cena, sabe? Parecia cena de cinema nacional. Mas sinceramente eu só notei isso depois que ela foi embora, não notei, não ouvi. Guardei minhas atenções pro que havia a minha frente. Eu fazia sempre isso, sugava mesmo, lavava bem a vista quando ia encontrá-la, porque meia hora depois da partida, eu já não conseguia mais formar aquela imagem na cabeça. E eu me divertia sempre remontando as cenas que tinha vivido com ela, devagarzinho, pra aliviar a saudade. Parecia até uma lenda. E eu não sabia nunca quando ela ia voltar. Ela nunca sabia, nunca dizia, apenas surgia, e ia... como num ciclo vicioso. Mas eu sempre tinha certeza que ia tê-la novamente, não quanto ou quando, mas no íntimo, eu sabia que não dava pra ser diferente. Eu sabia que ela ia me amar e me deixar na manhã seguinte, sem cerimônia, que não ia me ligar pra dizer que me amava. Como eu pude ainda assim me entregar tão por completo? sabendo, lealmente, que com ela sempre seria como apostar na sorte? que ela sempre seria fiel as suas vontades, e que ao passo que amava o mundo inteiro da maneira mais generosa possível, era também tão docemente egoísta? seria frustrante fugir. Inevitável até, eu sabia...

Sentia que de verdade, já havíamos vivido em outros planos e já nos atraíamos desde então. Como se quimicamente ou magneticamente isso pudesse ser explicado. Mas eu juro, nunca ninguém tinha conseguido mexer tanto comigo. Eu sei, eu sei. A gente conhece e ama muitas pessoas diferentes e com cada uma delas é diferente, não dá pra comparar, mas também não dá para não comparar com ela. Não era a melhor, não era a especial, era a mais diferente. Mais forte. Me amava também, eu bem sabia, e ela, como sempre foi expressiva, sempre me fez saber. Mas não era suficiente, não era convincente, eu sempre quis além do seu amor livre. Eu queria mais. Eu queria ela. De corpo inteiro e ainda mais sua alma.
Ela era a única mulher que eu sentia, na vida, vontade de deitar, abraçar...e ficar por horas, sem me mexer, só sentindo bem de perto o pulsar da sua respiração...seu ar, outrora meu ar, entrando e saindo devagar dos seus pulmões e narinas...como num ritual, como um mantra.
A vela acesa e a noite caindo lentamente... as gotas vindo do céu e trazendo consigo a noite...Dalí na parede, Clara Nunes no rádio...fumaça e luz dentro da minha casa. O mundo chovendo, e meu coração na mão. Nas mãos longas, de carinhos sutis e fortes, como o sentimento daquela mulher.
Que foi embora e me deixou fazendo uma prece, pra Obá, só pedindo pro tempo passar bem depressa pra ela voltar. E de novo, encher a casa do meu coração com sua auréa de meteoro cosmopolita.
Ernesto Luna, Recife, 25 de Maio de 2010.

Um comentário:

Katarine Araújo. disse...

Texto longo e cansativo. Tô brega.