I
Que volte a ser só alma
a energia que este corpo encasula
que fuja deste mundo posto
que o homem constituiu
só de matéria inútil
necessidades e comportamentos vãos.
II
Que volte a ser só alma
devolvo ao titular que a esta matéria
emprestou-me.
Sem desdém, meu senhor,
é que sinceramente, a mim não agradou.
III
Que volte a ser só alma
deixando de ser só RG, CPF e título de eleitor
deixando eu de ser pai, amigo, irmão
que eu me dilua, sendo alma, o que sou!
IV
Que volte a ser só alma
tome aqui o meu eu
que na verdade, nunca me pertenceu
isto, isto reprimido pelo corpo em que estou
nunca me representou.
IV
Que volte a ser só alma
deste mundo que distorce
que eu possa voltar a ser só alma
quero contemplar a lua em todas as dimensões
e as dimensões? que serão quando eu for só alma?
V
Que eu volte a ser só alma
voar em sonhos só não me basta
quem nesse mundo viver satisfeito,
é insano de algum jeito!
quero abraços no firmamento,
beijos doces pelo espaço,
quero ver marte de cabeça abaixo
quero ser quantos tiver desejo.
VI
Que volte a ser só alma
sentir mais de perto o que desconheça
oque me couber
que valha
e venha até mim
como da primeira vez.
Que volte a ser só alma
que me liberte do que me perece.
- Morrer? a maravilha de nascer pros sublimes mundos.
Ernesto Luna, Recife, 28 de Maio de 2010. E uma lua que...putaquepariu, nesse céu mundano de almas inertes.
sexta-feira, 28 de maio de 2010
terça-feira, 25 de maio de 2010
Meteoro cosmopolita.
Vinte e três, era o dia.
Vinte e três de São Jorge, mas no caso, era o vinte e três de São João.
Porque chegar assim, e iluminar tudo, tudo ao redor?
Ela tem uma chama, sabe? Uma chama inevitável, não há como fugir.
A qualquer lugar que adentre, pronto, ta lá ela e essa luz toda que não tem como não se sentir seduzido. Mas eu digo seduzido assim, em vários aspectos.
O problema é que ela sabia disso, sabia disso tudo. Mas o pior mesmo é que ela não dava a menor importância. Era extremamente bonita na sua discrição, era uma verdadeira discrepância o tanto que expandia sua luz, na proporção de que andava discretamente entre os mortais, sabe? Porque a mulher que é assim, sinceramente, a mulher que sabe o quanto brilha, se apaga lentamente na convicção. Mas ela não.
Ou não sabia, ou disfarçava muito bem.
Entrou na minha pequena casa, que ficou menor ainda pro tamanho dela. A casa toda tomou uma cor alaranjada, que eu até esqueci que chovia lá fora. E olhe que chovia forte, o céu era cinza. E eu nem lembrei que fazia frio quando ela me abraçou. Sua matéria parecia mais caída do céu, cuspida de um meteoro, quente, colorida, sólida. Eu só pude me apaixonar. Era linda também nos traços, boca, nariz, olhos. Não tinha verdadeiramente nada demais, nenhum atributo exageradamente bonito, mas poucos homens eram capazes de não olhá-la até constrangê-la.
Clara era nossa companhia, tocando baixinho no rádio. Bonitinha a cena, sabe? Parecia cena de cinema nacional. Mas sinceramente eu só notei isso depois que ela foi embora, não notei, não ouvi. Guardei minhas atenções pro que havia a minha frente. Eu fazia sempre isso, sugava mesmo, lavava bem a vista quando ia encontrá-la, porque meia hora depois da partida, eu já não conseguia mais formar aquela imagem na cabeça. E eu me divertia sempre remontando as cenas que tinha vivido com ela, devagarzinho, pra aliviar a saudade. Parecia até uma lenda. E eu não sabia nunca quando ela ia voltar. Ela nunca sabia, nunca dizia, apenas surgia, e ia... como num ciclo vicioso. Mas eu sempre tinha certeza que ia tê-la novamente, não quanto ou quando, mas no íntimo, eu sabia que não dava pra ser diferente. Eu sabia que ela ia me amar e me deixar na manhã seguinte, sem cerimônia, que não ia me ligar pra dizer que me amava. Como eu pude ainda assim me entregar tão por completo? sabendo, lealmente, que com ela sempre seria como apostar na sorte? que ela sempre seria fiel as suas vontades, e que ao passo que amava o mundo inteiro da maneira mais generosa possível, era também tão docemente egoísta? seria frustrante fugir. Inevitável até, eu sabia...
Sentia que de verdade, já havíamos vivido em outros planos e já nos atraíamos desde então. Como se quimicamente ou magneticamente isso pudesse ser explicado. Mas eu juro, nunca ninguém tinha conseguido mexer tanto comigo. Eu sei, eu sei. A gente conhece e ama muitas pessoas diferentes e com cada uma delas é diferente, não dá pra comparar, mas também não dá para não comparar com ela. Não era a melhor, não era a especial, era a mais diferente. Mais forte. Me amava também, eu bem sabia, e ela, como sempre foi expressiva, sempre me fez saber. Mas não era suficiente, não era convincente, eu sempre quis além do seu amor livre. Eu queria mais. Eu queria ela. De corpo inteiro e ainda mais sua alma.
Vinte e três de São Jorge, mas no caso, era o vinte e três de São João.
Porque chegar assim, e iluminar tudo, tudo ao redor?
Ela tem uma chama, sabe? Uma chama inevitável, não há como fugir.
A qualquer lugar que adentre, pronto, ta lá ela e essa luz toda que não tem como não se sentir seduzido. Mas eu digo seduzido assim, em vários aspectos.
O problema é que ela sabia disso, sabia disso tudo. Mas o pior mesmo é que ela não dava a menor importância. Era extremamente bonita na sua discrição, era uma verdadeira discrepância o tanto que expandia sua luz, na proporção de que andava discretamente entre os mortais, sabe? Porque a mulher que é assim, sinceramente, a mulher que sabe o quanto brilha, se apaga lentamente na convicção. Mas ela não.
Ou não sabia, ou disfarçava muito bem.
Entrou na minha pequena casa, que ficou menor ainda pro tamanho dela. A casa toda tomou uma cor alaranjada, que eu até esqueci que chovia lá fora. E olhe que chovia forte, o céu era cinza. E eu nem lembrei que fazia frio quando ela me abraçou. Sua matéria parecia mais caída do céu, cuspida de um meteoro, quente, colorida, sólida. Eu só pude me apaixonar. Era linda também nos traços, boca, nariz, olhos. Não tinha verdadeiramente nada demais, nenhum atributo exageradamente bonito, mas poucos homens eram capazes de não olhá-la até constrangê-la.
Clara era nossa companhia, tocando baixinho no rádio. Bonitinha a cena, sabe? Parecia cena de cinema nacional. Mas sinceramente eu só notei isso depois que ela foi embora, não notei, não ouvi. Guardei minhas atenções pro que havia a minha frente. Eu fazia sempre isso, sugava mesmo, lavava bem a vista quando ia encontrá-la, porque meia hora depois da partida, eu já não conseguia mais formar aquela imagem na cabeça. E eu me divertia sempre remontando as cenas que tinha vivido com ela, devagarzinho, pra aliviar a saudade. Parecia até uma lenda. E eu não sabia nunca quando ela ia voltar. Ela nunca sabia, nunca dizia, apenas surgia, e ia... como num ciclo vicioso. Mas eu sempre tinha certeza que ia tê-la novamente, não quanto ou quando, mas no íntimo, eu sabia que não dava pra ser diferente. Eu sabia que ela ia me amar e me deixar na manhã seguinte, sem cerimônia, que não ia me ligar pra dizer que me amava. Como eu pude ainda assim me entregar tão por completo? sabendo, lealmente, que com ela sempre seria como apostar na sorte? que ela sempre seria fiel as suas vontades, e que ao passo que amava o mundo inteiro da maneira mais generosa possível, era também tão docemente egoísta? seria frustrante fugir. Inevitável até, eu sabia...
Sentia que de verdade, já havíamos vivido em outros planos e já nos atraíamos desde então. Como se quimicamente ou magneticamente isso pudesse ser explicado. Mas eu juro, nunca ninguém tinha conseguido mexer tanto comigo. Eu sei, eu sei. A gente conhece e ama muitas pessoas diferentes e com cada uma delas é diferente, não dá pra comparar, mas também não dá para não comparar com ela. Não era a melhor, não era a especial, era a mais diferente. Mais forte. Me amava também, eu bem sabia, e ela, como sempre foi expressiva, sempre me fez saber. Mas não era suficiente, não era convincente, eu sempre quis além do seu amor livre. Eu queria mais. Eu queria ela. De corpo inteiro e ainda mais sua alma.
Ela era a única mulher que eu sentia, na vida, vontade de deitar, abraçar...e ficar por horas, sem me mexer, só sentindo bem de perto o pulsar da sua respiração...seu ar, outrora meu ar, entrando e saindo devagar dos seus pulmões e narinas...como num ritual, como um mantra.
A vela acesa e a noite caindo lentamente... as gotas vindo do céu e trazendo consigo a noite...Dalí na parede, Clara Nunes no rádio...fumaça e luz dentro da minha casa. O mundo chovendo, e meu coração na mão. Nas mãos longas, de carinhos sutis e fortes, como o sentimento daquela mulher.
Que foi embora e me deixou fazendo uma prece, pra Obá, só pedindo pro tempo passar bem depressa pra ela voltar. E de novo, encher a casa do meu coração com sua auréa de meteoro cosmopolita.
Ernesto Luna, Recife, 25 de Maio de 2010.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Eu lírico
Ernesto Luna, nasceu de um poema,
De um poema bêbado e revolucionário.
Filho do ventre do mundo, e do sangue,
parido da cachaça e das palavras,
filho da lama, e da poesia marginal.
Ernesto, guerrilheiro da saudade,
poeta metropolitano,
armado de rimas, de versos soltos,
com a alma cheia de cantos,
do amor e da lama,
de prazer, e de dor.
Ernesto bebe da nascente do mundo plenitude, liberdade.
Ernesto Luna nasceu de um amor,
e da necessidade de se falar dele,
de um amor que nunca morreu.
E agora eu sou ele.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
Ceticismo e as instituições panópticas
Do ceticismo.
O ceticismo carrega o pressuposto de que não devemos crer em algo que não possui nenhum fundamento para que devamos supor que seja 'verdade'. O ceticismo basicamente veda a atitude de acreditar por acreditar. É importante, contudo, colocar a idéia de que o ceticismo absoluto é auto-destruídor, pois ao afirmar que o conhecimento não é possível está expressando com isso um conhecimento. O fato é que se nós todos aplicássemos doses céticas ao nosso dia-dia, nossa vida em sociedade estaria verdadeiramente comprometida, visto que quando colocados à salvo dos valores céticos o sistema político e a religião são incotestáveis, irrepreensíveis. O poder disciplinar perderia sua força, pois as instituições teriam seus poderes dogmáticos amplamente inviabilizados, o que impossibilitaria um perfeito controle e vigilância do sujeito individual.
Do poder disciplinar.
O poder disciplinar para Michel Focault é a produção positiva de comportamento, é o modo de produção de verdades da sociedade moderna. A partir de procedimentos de vigilância e registro dos indivíduos é que se estrutura o controle do comportamento. A sociedade disciplinar é povoada de práticas e instituições reiteradas que determinam o que é normal e o que é patológico, verdadeiro ou falso, certo ou errado. Para Focault, escolas, prisões, hospitais, todos tem o intuito de trazer de volta os indivíduos que fugirem de tais padrões de normalidade impostos (ou impedir que fujam) através do discurso jurídico. O poder disciplinar põe rédeas, cercam o indivíduo. As instituições 'panópticas' controlam o tempo, os corpos e as mentes. Em tese, o poder disciplinar objetiva a manipulação da existência por inteiro do indivíduo, marginalizando os que ousarem fugir à sua regra, reprimindo a natureza humana. Para Bertrand Russel em ENSAIOS CÉTICOS, a regularidade e a rotina impostas pela sociedade moderna exercem controle sufocante a questões que deveriam ser livres (arte, amor) e deixam fluindo livremente seus opostos, como a crueldade a inveja e o ódio, cultivados com plena devoção, sempre tão presentes no viver do sujeito moderno.
* Dentre os dispositivos de vigilância do início do século, podemos destacar o Panóptico, um mecanismo arquitetural, utilizado para o domínio da distribuição de corpos em diversificadas superfícies (prisões, manicómios, escolas, fábricas). O Panóptico era um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel dividia-se em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas, havia, segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário a trabalhar, um prisioneiro a ser corrigido, um louco tentando corrigir a sua loucura, etc. Na torre havia um vigilante.
* Ou seja, a idéia do controle da estrutura social panóptica é a de que você não sabe nunca se tem ou não alguém na torre, e de qualquer ângulo você vai estar sendo observado, e portanto, regido.
O ceticismo carrega o pressuposto de que não devemos crer em algo que não possui nenhum fundamento para que devamos supor que seja 'verdade'. O ceticismo basicamente veda a atitude de acreditar por acreditar. É importante, contudo, colocar a idéia de que o ceticismo absoluto é auto-destruídor, pois ao afirmar que o conhecimento não é possível está expressando com isso um conhecimento. O fato é que se nós todos aplicássemos doses céticas ao nosso dia-dia, nossa vida em sociedade estaria verdadeiramente comprometida, visto que quando colocados à salvo dos valores céticos o sistema político e a religião são incotestáveis, irrepreensíveis. O poder disciplinar perderia sua força, pois as instituições teriam seus poderes dogmáticos amplamente inviabilizados, o que impossibilitaria um perfeito controle e vigilância do sujeito individual.
Do poder disciplinar.
O poder disciplinar para Michel Focault é a produção positiva de comportamento, é o modo de produção de verdades da sociedade moderna. A partir de procedimentos de vigilância e registro dos indivíduos é que se estrutura o controle do comportamento. A sociedade disciplinar é povoada de práticas e instituições reiteradas que determinam o que é normal e o que é patológico, verdadeiro ou falso, certo ou errado. Para Focault, escolas, prisões, hospitais, todos tem o intuito de trazer de volta os indivíduos que fugirem de tais padrões de normalidade impostos (ou impedir que fujam) através do discurso jurídico. O poder disciplinar põe rédeas, cercam o indivíduo. As instituições 'panópticas' controlam o tempo, os corpos e as mentes. Em tese, o poder disciplinar objetiva a manipulação da existência por inteiro do indivíduo, marginalizando os que ousarem fugir à sua regra, reprimindo a natureza humana. Para Bertrand Russel em ENSAIOS CÉTICOS, a regularidade e a rotina impostas pela sociedade moderna exercem controle sufocante a questões que deveriam ser livres (arte, amor) e deixam fluindo livremente seus opostos, como a crueldade a inveja e o ódio, cultivados com plena devoção, sempre tão presentes no viver do sujeito moderno.
* Dentre os dispositivos de vigilância do início do século, podemos destacar o Panóptico, um mecanismo arquitetural, utilizado para o domínio da distribuição de corpos em diversificadas superfícies (prisões, manicómios, escolas, fábricas). O Panóptico era um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel dividia-se em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas, havia, segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário a trabalhar, um prisioneiro a ser corrigido, um louco tentando corrigir a sua loucura, etc. Na torre havia um vigilante.
* Ou seja, a idéia do controle da estrutura social panóptica é a de que você não sabe nunca se tem ou não alguém na torre, e de qualquer ângulo você vai estar sendo observado, e portanto, regido.
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